sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ler por ler?


De manhã, por entre o aglomerado populacional que enche a entrada do metro do Campo Grande, do lado dos autocarros e dos vendedores de castanhas, vêem-se os distribuidores de jornais gratuitos. Deixam uma pilha de “Destak’s” ao lado dum pilar, seguros por um calhau que serve ali, bem cedo, de pisa-papéis.

Um pouco mais à frente, já abrigados no átrio que serve de entrada ao metro, duas ou três pessoas vendem a edição semanal do avante!. Partilhando o mesmo espaço, vendedores de carteiras, chapéus-de-chuva (quando a estação o proporciona) e até bolsas para telemóveis, ciganas e ciganos atulhados de roupa até ao pescoço, cumprem também o horário matutino, tentando, em alto e bom som, negociar o melhor preço.

Mas os gratuitos. Encarados pelos jornais que se pagam como arruinadores da sua existência, têm também eles a sua função. São distribuídos (podem ou não ser recolhidos, aceites por quem passa), mas também são lidos. A viagem de metro, que por vezes é bem longa (como exemplo o viajante-trabalhador que entra na estação do Campo Grande para apenas sair na do Colégio Militar, ou no Oriente), precisa de entretenimento. E nada melhor que um gratuito. Notícias pequenas, curtas, amputadas, desprovidas de um desenvolvimento que permita conhecer a fundo o tema retratado. Não chateia muito.

Há sobretudo os que lêem o Destak, o Metro, o Global e o Meia Hora por mero preenchimento do tempo. As caras que se enfrentam em cada manhã, a cada carruagem que passa, também não se afiguram prometedoras. Todos os dias parecem cinzentos, excepto se a selecção ou o clube de eleição tiver ganho no dia anterior. E ainda por cima, vem uma espécie de reportagem no Destak, que deu a primeira página ao futebol (“ouro sobre azul!”). Mas mesmo assim, a quem o desporto-rei interessa pouco, o gratuito oferece uma diversidade temática notável. Da política externa norte-americana à vida íntima de Britney Spears, sem ousar esquecer a crise financeira que nos afecta a todos, a generalidade destes temas coabitam saudavelmente em cada edição diária de um qualquer jornal gratuito distribuído um pouco por toda a cidade. Pouco desenvolvido, é certo, embora capaz de proporcionar hábitos de leitura antes inexistentes e que estariam até, em certos casos (se não houvesse esta proliferação de gratuitos), extintos.

Mas é isso que importa? Importa a distracção, o “querer-saber-por-saber” que muitas vezes pode ter resultado da própria condição de gratuitidade: não somos totalmente informados, mas também não pagamos.

Simão Martins

1 comentário:

Morais disse...

lool.Simão, sempre com a sua criatividade jornalística em acção..

( se quiseres dar um saltinho a http://morais5.blogspot.com/)