quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Hall humano em formato "Ponto de Encontro"


Quando tiverem que ir buscar alguém ao aeroporto, tentem chegar um pouco mais cedo da hora marcada. A zona das chegadas, repleta de familiares e amigos, é local de comunhão de emoções.

Para além da rampa que vai da zona das bagagens até ao átrio principal do aeroporto, forma-se um corredor humano de olhos postos em quem está a chegar. Perto da entrada, ao lado da banca dos jornais, o monitor revela os horários dos aviões. Para uns, cujo voo de quem está à espera cumpriu o horário, a alegria é já indisfarçável; outros, visivelmente irritados esfregando as mãos na testa, telefonam nervosamente a dizer que “o avião está atrasado”, mas que “deve estar tudo bem”.

De novo no “hall humano”, vislumbram-se reacções de todo o género. Uma menina, de idade não superior a 6 anos, passa mais de vinte minutos em pé. Depois, espreitando pelo canto do olho o lugar deixado vago pelo seu irmão (que está agora ao colo do pai), resolve sentar-se no respectivo carrinho de bebé. “Olha quem está ali”, diz a mãe, “é a avó, vai lá ter com ela”. Azar. “Agora não quero”.

Uma mulher, que vê a irmã a chegar ao fundo, de mão dada com a filha, protagoniza o habitual abraço de “ponto de encontro”. No meio de choros, a recém-chegada abraça-se ao namorado, de aspecto “futebolístico”, vestido de fato escuro e camisa branca, empenhando os já habituais brincos de diamante, com ténis de marca Puma, brancos.

Descendo a rampa de pedra vem uma rapariga loira, adolescente. Ainda nem entrou na zona do corredor populacional e já traz um desenho que recebeu, momentos antes, por cima do corrimão que separa a rampa do átrio. Acolhida por mais uma manifestação de saudade, no meio de uma família numerosa, é questionada pelo irmão: “mana, já viu o desenho?”. Os ouvidos do vosso escrevinhador despertam. A idade que os separa não ultrapassa cinco anos. A mãe, não contente com o desejo de elogios do pequeno, repreende-o: “não esteja a maçar a sua irmã”. “Além disso, deve estar cansada, não é, querida?”

Mesmo assim, não falta na assistência quem não consiga evitar o humedecimento dos olhos, ou no mínimo um ligeiro sorriso. Mas a sua vez está para chegar. Outra corrida desenfreada, abraços, beijos e lágrimas. Há quem não se veja há mesmo muito tempo.

Simão Martins

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ler por ler?


De manhã, por entre o aglomerado populacional que enche a entrada do metro do Campo Grande, do lado dos autocarros e dos vendedores de castanhas, vêem-se os distribuidores de jornais gratuitos. Deixam uma pilha de “Destak’s” ao lado dum pilar, seguros por um calhau que serve ali, bem cedo, de pisa-papéis.

Um pouco mais à frente, já abrigados no átrio que serve de entrada ao metro, duas ou três pessoas vendem a edição semanal do avante!. Partilhando o mesmo espaço, vendedores de carteiras, chapéus-de-chuva (quando a estação o proporciona) e até bolsas para telemóveis, ciganas e ciganos atulhados de roupa até ao pescoço, cumprem também o horário matutino, tentando, em alto e bom som, negociar o melhor preço.

Mas os gratuitos. Encarados pelos jornais que se pagam como arruinadores da sua existência, têm também eles a sua função. São distribuídos (podem ou não ser recolhidos, aceites por quem passa), mas também são lidos. A viagem de metro, que por vezes é bem longa (como exemplo o viajante-trabalhador que entra na estação do Campo Grande para apenas sair na do Colégio Militar, ou no Oriente), precisa de entretenimento. E nada melhor que um gratuito. Notícias pequenas, curtas, amputadas, desprovidas de um desenvolvimento que permita conhecer a fundo o tema retratado. Não chateia muito.

Há sobretudo os que lêem o Destak, o Metro, o Global e o Meia Hora por mero preenchimento do tempo. As caras que se enfrentam em cada manhã, a cada carruagem que passa, também não se afiguram prometedoras. Todos os dias parecem cinzentos, excepto se a selecção ou o clube de eleição tiver ganho no dia anterior. E ainda por cima, vem uma espécie de reportagem no Destak, que deu a primeira página ao futebol (“ouro sobre azul!”). Mas mesmo assim, a quem o desporto-rei interessa pouco, o gratuito oferece uma diversidade temática notável. Da política externa norte-americana à vida íntima de Britney Spears, sem ousar esquecer a crise financeira que nos afecta a todos, a generalidade destes temas coabitam saudavelmente em cada edição diária de um qualquer jornal gratuito distribuído um pouco por toda a cidade. Pouco desenvolvido, é certo, embora capaz de proporcionar hábitos de leitura antes inexistentes e que estariam até, em certos casos (se não houvesse esta proliferação de gratuitos), extintos.

Mas é isso que importa? Importa a distracção, o “querer-saber-por-saber” que muitas vezes pode ter resultado da própria condição de gratuitidade: não somos totalmente informados, mas também não pagamos.

Simão Martins

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Uma plateia sorridente por Auster


A espera por um autor que admiramos já vai provocando uma “dorzinha” na barriga. No auditório da Fnac do Cascaishopping, cerca de vinte pessoas aguardam pela chegada de Paul Auster.

“O autor está um pouco atrasado, pedimos desculpa pela demora”, diz alguém ao microfone. Típico e ao mesmo tempo trivial; temos tempo, é Domingo.

Quase meia hora de atraso, “mas já vem a caminho”, repete a mesma voz. Quando já passam quarenta minutos da hora marcada (três da tarde), eis que surge no auditório da Fnac um sujeito com um ar descomprometido e que parece não saber muito bem ao que vem. Paul Auster, ao contrário do que a pequena foto nos seus livros faz prever, é um homem alto e bem conservado, para os seus 61 anos. Vem de pulôver azul-escuro, com a camisa cinzenta por baixo e calças Levi’s 501, pretas. O seu olhar absorvente chega a intimidar. Parece antipático. Não é extravagante ou sequer exuberante. É um homem simples.

“Até ao meio-dia de hoje não sabia que ia estar aqui”, diz ainda meio atarantado pela quantidade de pares de olhos fixos na sua figura. Ao seu lado está Rui Pedro Tendinha, moderador do encontro de Auster com os leitores proporcionado pela Fnac; este propõe-se a traduzir as perguntas que a plateia queira fazer ao autor d’ A Trilogia de Nova Iorque, O Livro das Ilusões ou As Loucuras de Brooklyn, mas deixa o aviso: “lá para as quatro e tal temos que estar despachados, já que o autor faz parte do júri do Estoril Film Festival”.

A audiência fica alarmada: para muitos, o escritor de uma vida, e em formato de “visita de médico”. Auster, que espera calmamente pelas perguntas, é ainda um quase desconhecido. Todos sabemos quem ele é, mas ainda mal lhe ouvimos a voz, queremos escutar aquele sujeito que tão caracteristicamente (e bem) se expressa por meio da escrita.

Finalmente, a sua voz reproduz-se no microfone. “Nenhum dos meus livros se parece mais comigo que outro qualquer. Todos eles são parte de mim”, afirma, respondendo a uma pergunta. A voz grave de Auster, o seu pragmatismo e até o sentido de humor vão fazendo as delícias de quem ali o ouve, vê-se nos sorrisos da plateia.

A sensação que está a crescer, à medida que o autor vai falando, é que ele corresponde exactamente à ideia que fazíamos dele, que nos era dada apenas pela maneira de escrever. “A inspiração vai surgindo. O que é certo é que já li muito mais livros do que escrevi”, responde a uma senhora da audiência.


Paul Auster não é americano. É nova-iorquino, isso sim. Nasceu em Nova Jersey e agora mora em Brooklyn. É o escritor que muitos sonham ser. Continua a escrever à mão e aponta tudo em pequenos cadernos pautados ou quadriculados. Escreve a realidade e a ficção, e por vezes mistura-as (As Loucuras de Brooklyn mostram quão eximiamente consegue fazê-lo). Gosta de Portugal e a audiência, por muito pouco patriótica que possa ser, aprecia sempre o carinho do escritor, enche-nos o orgulho. Pena que seja por pouco tempo: o Estoril Film Festival está à espera.


Simão Martins

domingo, 19 de outubro de 2008

pop/punk na tasca


Na tasca que serve de entrada, o mulato ao balcão vai sacando as caricas das cervejas que não tardam em acabar, sob o som abafado do soundcheck e a transmissão do União de Leiria/Sporting. As duas mesas de snooker, tapadas com panos bordô, são o assento dos que esperam pelos primeiros acordes dos Sweep 48, quase todos de cerveja na mão.

O cartaz do Johny Bravo, espalhado por todo o lado, dá o mote: “Entrada: 3 bravos”. A academia musical 1º de Junho serve de palco a três bandas: Sweep 48, Matchpoint e Borderline Insane, ordenadas cronologicamente. Nenhuma delas com mais de cinco concertos na bagagem, mas conseguiram reunir amigos e familiares em torno de uma espécie de movimento pop/punk. Interessa é ouvir música “aos altos berros” e entrar no mosh.

Lá fora, vão chegando os carros. O público é maioritariamente adolescente. Os carros, são dos pais, que virão no final do concerto buscar a rapaziada que andou aos saltos das nove às onze, electrizada pela música mal tocada mas contagiante das bandas que por aqui passaram.

“Já não há Super Bock. Agora, só Sagres”. O mulato não está mal disposto. Agradece cordialmente a cada dinheiro recebido, logo o troco dado. Não parece gostar da música, mas também não está muito incomodado. A companhia dos clientes já conhecidos e habituais (pela forma como se falam, tratam-se pelo nome) ajuda a digestão da confusão que se apoderou da tasca.

O microfone do meio mal se ouve. O Paulo, vegetariano e vocalista/guitarrista dos Mathpoint, esforça-se para que aquilo resulte. O baterista, em cima do palco, não consegue ouvir os companheiros e por isso perde-se vezes sem conta; vê-se que está atrapalhado e tem que parar para voltar a apanhar o compasso. Cá em baixo, ao nível do público, estão os três outros membros da banda. Gustavo (baixista), à esquerda do Paulo, é o que mais puxa pela “malta”. Empoleira-se no palco e depois salta novamente para perto da plateia, quase acertando nos que estão encostados às paredes. Ofegante, acaba de dedicar uma música à irmã. Quando o ritmo acelera, o mesmo acontece com alguns que estão do lado de cá. Mandam-se incessantemente uns contra os outros; cotovelos, braços, punhos, pernas e joelhos: tudo isto faz parte do mosh, já bem conhecido destes adolescentes. Um deles acaba de passar com o ombro descoberto pela t-shirt rasgada. Mas não se importa. Lá vai ele outra vez. O Chico, o rapaz que está de chapéu preto, não é amador nenhum nestas andanças. Está às cavalitas dum amigo e acaba de se estatelar no chão. Levanta-se, vê se não partiu nada, vem cá atrás recuperar o fôlego, mas para ele não chega. A noite ainda agora começou e o Chico já está outra vez no mosh.

Cá fora, Prim comenta o espírito que é necessário para se estar nestas bandas. “Não são as guitarras afinadas ou os coros que interessam. Nós (os Borderline Insane) começámos quase sem saber como e agora estamos aqui, a tocar e a curtir.
A bateria cor-de-rosa de Ricardo, baterista dos Borderline, fala por si. A cor berrante das tarolas, timbalões e bombo foi escolhida de propósito quando comprou a bateria. Ricardo é, de resto, o nome que mais se vai gritando aqui de trás. Os breaks energéticos e perspicazes que imprime na bateria cativam a plateia e esta agradece.

Ou seja, enlouquece.

Simão Martins

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Rum e tirania


Brrr, Havana é feia e suja. Não nos recebe bem: logo de chegada, a brisa caribenha agarra-nos pelo pescoço e suga-nos água do corpo. Cubanos agrupam-se à saída do aeroporto, curiosos. Esperam por ninguém, apenas por caras novas. Muitos deles serenos, de cigarro a descansar no canto dos lábios. Agarro as malas e apanho o autocarro. Toca "Hearts And Bones" de Paul Simon enquanto folheio a Newsweek. Artigo de Fareed Zakaria, ídolo pessoal, sobre a convergência de ideias na consciência de Barack Obama. Divaga-se sobre utopia ou idealismo desmesurado, coisa que não falta neste país que visito. Chego ao hotel ao fim da tarde. A poucos metros dali, pescadores sentam-se num interminável muro que cerca o mar, pescando nada por um fio preso ao dedo indicador. Reparo em três mulheres sentadas no chão em semi-lua, ventoínha portátil ao centro. Já se respira tecnologia. Raúl Castro tem o coração mole.

La ración es nuestro escudo. 55 anos de Revolução Cubana. Na TV (estatal, obviamente), transmite-se os festejos. O povo de vermelho, velho. De vez em quando, urram e agitam bandeiras. Autênticas máquinas. Festa exemplar. Há demonstrações teatrais frouxas, recitais dignos de bocejo. Testemunhos, até daqueles que não viveram '53. A demagogia reina. Corações apontados às palavras. Daí que seja um dia de discursos, onde a ideologia evoca heroísmos e mártires ("Pátria ou morte", o tanas é que há dúvidas). "Vitória das ideias" inscrito numa fotografia titânica de Fidel. Anoitece. O público está dormente. Uma menina aproxima-se do palco. Dão-lhe um microfone para se fazer ouvir. Cabelo desleixadamente preso, shorts cor-de-rosa, ombros nus, sobrancelhas peludíssimas. Não sabe projectar a voz; pelo contrário, berra. Discursa enquanto chefe da sua turma da 4º classe; discursa com algum ímpeto, mesmo que não saiba que palavras lhe saem da boca. Raúl aplaude, perto do palco mas sem lugar de destaque (o socialismo assim o exige). Ironicamente, uma banda de rumba apresenta-se vestida de preto. Raúl surge logo depois para discursar. Enternecido, voz sonolenta. A retórica triunfa na audiência. Com a vaga de idealismo, arrasta milhões para o seu canto. Mais palavras. Desliguei. É por isso que tanto odeio o socialismo: aborrece-me. Vou à janela. Ninguém na rua. Ninguém que pense como eu. Estou sozinho.

La dignidad nunca se muere. As pessoas vivem de festejos, aqui. A chama de simpatia e compaixão é enorme. Não entendo: para além de pobres, vivem aprisionados nesta ilha. "Existirá mais mundo?", talvez se oiça em muitas conversas a rum tarde dentro. Fidel, homem do povo, de mãos manchadas de sangue do povo, fomentou a ignorância e parece ter oferecido almofadas a toda esta gente para perpetuar um sono conveniente. Jornais, nem vê-los. Vejo um espectáculo nocturno do hotel. Quanta decadência. Há um bailarino que se destaca, competente na forma como responde com o corpo ao crescendo de densidade da demonstração, mas a coreografia é pobre e a cacofonia da banda deprime. O que me salva é o mojito que vou beberricando. Saio dali, direito ao bar. Peço outro e reparo que a polaca que conheci na noite anterior está a conversar com um tipo baixo, de fato branco a constrastar com a pele bronzeada e camisa escura aberta a metade. Esforço-me por ignorar o meu lado esquerdo, onde ela está sentada a beber um Ron Collins; para isso, acompanho a preparação do mojito, a coisa menos interessante de que há memória. Pego no copo e sigo até à piscina, onde um grupo enorme de espanhóis ainda janta. No que toca a refeições, o relógio deles raramente funciona. Experimento deitar-me nas camas de madeira mas são incómodas. Acabo por ir parar à discoteca do hotel. Uma data de mesas, vazias, rodeia o espaço das bebidas, ornamentado de palmeiras e outros símbolos que é costume associar-se a um paraíso tropical. Meto conversa com o barman, chama-se Rey mas está bêbedo e atropela-se a contar histórias de turistas e da extrema generosidade que tem de demonstrar para com eles. Fala tão rápido que acabo por desligar o interesse e olho em redor constantemente para que ele perceba que a conversa não está a ser boa. Além disso, o ar condicionado está fortíssimo e o DJ parece insistir em reggaeton chunga. Digo-lhe que estou cansado, que vou dormir. Cumprimento-lhe a mão suada e saio já com outro mojito. Estou morto. A caminho do quarto, penso num pormenor curioso: enquanto que, lá dentro, a bebida e a música criam uma ilusão de êxtase e satisfação infindáveis, onde a vida não mais se extende para lá de uns quantos metros quadrados, partilhados por pessoas que estão a sentir exactamente o mesmo que nós, a realidade esbofeteia-nos cá fora, desoladora, acordando-nos. Havana é assim. Mas, por agora, Havana não quer despertar. Sentir dor. Vai fechando os olhos perante o seu declínio.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Música, poeira e mosh


Na tarde de 10 de Julho, milhares de pessoas passam sob a linha do comboio em Algés, numa passagem subterrânea que parece demasiado pequena para tanta gente. O destino é o Optimus Alive.

Por volta das cinco da tarde, a ânsia para entrar no recinto vai crescendo quando já poucos metros faltam para enfrentar os seguranças que passam revista aos bolsos, malas e outros apetrechos. O calor aperta mas a vontade de entrar passa o tempo para segundo plano. Os primeiros passos no recinto destinam-se agora à descoberta do espaço. Oxigénio, poeira, fumo de tabaco e de charros é o ar que se respira. Cedo nasce a necessidade de uma bebida. Gelada e num copo de 0.65 litros, a cerveja vai satisfazendo a sede enquanto não há bandas em palco.

A tenda Metro On Stage, entendida como o “palco secundário”, alberga um dos únicos espaços com sombra, sendo o local de concerto de bandas como Vampire Weekend e MGMT. Fala-se nas músicas que se quer ouvir. Estas bandas não podem (nem conseguem), porém, abalar todo o alarido em torno do concerto dos Rage Against The Machine, que tocam no palco principal esta noite. Ainda assim, Ezra Koenig, vocalista e líder dos Vampire Weekend, leva ao rubro todo o público, empenhando uma postura que parece fazê-lo tomar a forma de David Byrne, enquadrado no panorama dos Talking Heads no início dos anos 80: o líder que, com o movimento corporal, a voz e toda a sua fisicalidade, contagia a audiência e dá um sentido único à música que protagoniza. A plateia, essa, mostra o seu agrado através dos aplausos e dos coros nas músicas, desejando apenas uma melhor qualidade de som. Seguem-se os MGMT, também eles nova-iorquinos, também eles de Brooklynn, também eles uma banda de 2008. O início do concerto não promete, mas eles têm tempo (devido ao cancelamento do concerto das Cansei de Ser Sexy) e de facto, com o tempo, surge um espectáculo. consistente As músicas saem com uma fluidez que o público aprecia e os singles definem este concerto. Primeiro Time to Pretend, após um início de concerto pouco cativante, depois Electric Feel e a última música, Kids, que impõem um momento de grande energia provocada pela electrónica dançável e pela melodia facilmente adaptável ao ouvido.

Chegada a hora de jantar, as opções são diversas. Pizzas, hambúrgueres, carne de porco no pão, KFC (Kentucky Fried Chicken), sandes de leitão, shoarma, churros, farturas, tudo serve para satisfazer a fome de milhares de pessoas. No entanto, há ainda motivos de sobra para saltar, dançar e cantar. Não resta, portanto, muito tempo para a última refeição do dia.

Faltam cerca de quinze minutos para as dez da noite quando sobem ao palco principal os Gogol Bordello. A audiência desperta num ápice ao ouvir os primeiros acordes dados pelo líder da banda, Eugene Hütz, numa guitarra acústica que mais tarde haveria de perder duas cordas. A mistura da música cigana com ritmos punk traduzidos na bateria e na guitarra eléctrica caracteriza o estilo dos Gogol Bordello e põe quem os esteja a ouvir aos saltos. Não se importam que as bandas que lhes vão suceder também provoquem a mesma reacção em quem se encontre perante o palco principal. Do início ao fim do concerto apenas uma coisa imperou: um autêntico circo musical.

Por último chegam, então, os tão esperados Rage Against The Machine. A expectativa traduz-se nas t-shirts, na mentalidade e na orientação política dos muitos fãs da banda que ali se encontram, como quem se veste a rigor para ir à missa. A ideologia comunista está ali perante tudo e todos, bem assinalada pela enorme estrela vermelha num pano que preenche o fundo do palco e pelo amplificador do guitarrista Tom Morello, com a cara de Che Guevara a ocupar a coluna. Mesmo depois dos Gogol Bordello e dos The Hives, as forças reservadas para este último concerto são agora gastas no mosh que acontece um pouco por toda a parte. Onde quer que se ouça a música dos Rage Against The Machine, há saltos, empurrões, cotoveladas e pontapés. Depois de catorze músicas, a banda sai de palco para protagonizar o já habitual encore. Nessa altura, ao som d’ “A Internacional”, punhos no ar e um coro formado por milhares de pessoas a entoar o hino comunista, deixando bem marcado o cariz político de uma das bandas mais contestatárias dos anos 90, agora reunida. Killing In The Name surge como o tudo por tudo. Zach de La Rocha e a sua energia contagiante protagonizam o momento considerado por muitos o mais alto da noite, deixando a cabo do público o refrão “Fuck you, I won't do what you tell me”.

É já dia 11 de Julho quando o passeio marítimo de Algés vai ficando para trás. Pouco aconselhável no que à claustrofobia diz respeito, a passagem subterrânea que atravessa a linha férrea está a rebentar pelas costuras. Uns de carro, outros de comboio, o destino é o mesmo: o descanso.

Simão Martins